terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Deserto

Já fazia algum tempo que andava sozinho por aquela estrada. O sol do meio dia ofuscava a visão. Os pés descalços no asfalto quente tornavam cada passo torturante. Não havia árvores, e o vento por algum motivo decidira não soprar. A poeira que subia cada vez que firmava os pés no chão avisava que a chuva a muito não se fazia presente ali. Na verdade, nem sabia ao certo como havia chegado, lembrava apenas de um caminho no litoral, de areia macia e confortável, de um abraço... e isso era tudo.

"É preciso ir..." Era só o que ouvia. Não sabia o motivo. A única certeza era exatamente aquilo que não sabia de onde vinha, mas que parecia soprar de dentro daquele lugar: É preciso ir. Ecoava em alto e bom som em meio ao cenário desgastado pelo sol e pelo tempo, que não possuía nenhum destino que não fosse o horizonte e não oferecia nada mais do que cansaço a quem o atravessasse.

É preciso ir. Mesmo sem querer. Não se sentia nada bem, mas por mais contraditório que possa ser, o único conforto estava em atender ao chamado desconhecido, e continuar caminhando no nada, para o nada.

Percebeu então que levava junto uma garrafa com água. Não sabia de onde havia tirado aquilo, mas sua primeira reação foi revoltar-se ainda mais. Não sabia quem havia lhe colocado naquela estrada, mas quem o fez nem ao menos lhe deu condições para isso, pois a quantidade era insignificante para quem iria passar horas caminhando naquele deserto. Decidiu por não desperdiçar o pouco que tinha: iria esperar até que a sede se tornasse insuportável. E seguiu.

Seguiu com sede, suor, cansaço e vontade de fugir. Mas seguiu. Uma decisão inabalável, e naquele momento incompreensível. Já chegando aos limites do cansaço e da sede, resolveu que era hora de beber. Não havia como dar mais nem um passo. Talvez bebendo conseguiria chegar mais adiante e encontrar uma casa, uma árvore, ou alguém. Se não, morreria. Não havia mais nada a perder. Abriu a garrafa e levou-a aos lábios, mas antes que a água pudesse lhe saciar a sede, ouviu algo diferente...

"Chegamos..."

O susto foi tamanho que o fez desistir de beber. Parou e olhou em volta. Tudo estava igual, como antes. Não havia um destino, uma placa ou uma casa... Nada. Exceto uma pedra. Bem maior do que as outras que já havia encontrado. Deu alguns passos adiante, e se surpreendeu com o que viu.

Por trás da pedra, sentado e adormecido, havia um homem. Sua aparência era assustadora. Cabelos longos e desgrenhados, barba por fazer, pele suja e roupa rasgada, mostravam alguém que já não se importava, ou não tinha condições, de se preocupar com a aparência. Suas feridas no canto da boca fariam qualquer um se sentir enjoado.

Em um misto de medo e piedade, se aproximou. Fitou-o por alguns instantes e chegou a questionar seu próprio cansaço e sede, diante de tal realidade. Resolveu dividir o pouco que tinha, e se inclinou a fim de despertar o homem adormecido. O homem despertou assustado, com uma respiração ofegante, porém logo depois se acalmou ao ver que lhe ofereciam água. Em um gesto que parecia um sorriso, disse com uma voz fraca:

- Eu sabia que você viria...

- Como assim? Como você veio parar aqui?

- Eu sempre estive aqui. Sou eu quem dou a resposta e o sentido dessa estrada quando não suportam mais atravessá-la. Quem anda por aqui, precisa chegar até o fim pra poder me encontrar. Você poderia ignorar-me, beber sua água e morrer sozinho, pois adiante não há mais nada além do que havia antes.

- Mas... como alguém pode saber onde está o fim?

- Onde acabam suas forças. Eis o fim. Preste atenção: O objetivo não é fazer morrer, e sim fazer precisar. Você precisou da água. É também preciso o uso da inteligência para que se saiba usar o que se tem. Você soube usar na hora certa o que tinha em mãos, e essa atitude não seria possível se não fosse a voz que lhe fez seguir durante todo o caminho...

- Era você?

- Não, não era eu. Era alguém que te conhece muito bem.

- Como assim?

- Olhe pra trás.

Sua respiração parou. A estrada seguia agora à beira de uma linda praia. Árvores e flores eram abundantes, e o vento lhe tocava finalmente o rosto, a ponto de sacudir seus cabelos.

- Esse foi o lugar onde eu estava antes...

- Foi também o caminho por onde andou até agora, apenas o enxergava de maneira diferente...

- Mas e a sede? E o sol? Como pode ter sido ilusão?

- Não era ilusão. Era preciso que fosse assim. Tenho certeza que agora vai dar mais valor a uma simples sombra com um pouco de água fresca... - disse risonho. - Sabe aquela garrafa que você me ofereceu?

- Onde ela está?

- Por acaso não viu o mar que segue a estrada?

- Vi, mas...

- Deixe-me lhe recordar algumas coisas.

De repente diante dele se abriu uma janela no ar, e ali eram exibidas cenas de nada menos do que sua própria vida. Viu quando um homem se aproximou dele e o abraçou. Seu pai, que o amava e demonstrava de todas as formas. Eram lindas as cenas, coisas que ele nem lembrava mais. Se encantou com sua própria história. Ouviu quando ele mesmo falou para o homem "eu faço tudo por você".

O pai apontou para ele o horizonte, e disse que ali haveria algo que ele precisava buscar. O amor que recebia era tanto, que não foi capaz de recusar. Era distante, mas iria. Era preciso ir. Era importante para o seu pai.

Sem que seu filho soubesse, o pai tornou doce toda a água do mar e colocou dentro de uma pequena garrafa, a fim de que a grandeza do que carregava ficasse escondida em tal pequenez. Como um pai, buscava o melhor para seu filho, sem deixar de ensinar o que fosse necessário.

Olhou seu filho nos olhos, deu-lhe um beijo na testa como forma de gratidão, e disse:

"É preciso ir..."

O pequeno se fez grande. Em nenhum momento se deu conta da grandeza do que carregava. Se perguntava como pode esquecer tantas coisas... como pode esquecer o que buscava e por que buscava...

Naquele instante compreendeu que foi preciso chegar até o fim de suas forças pra alcançar o que o pai queria. Não importava o quanto havia andando, mas era preciso andar até tudo dar. Foi preciso ouvir o que havia dentro, mesmo quando tudo ao redor o fazia desistir. Foi preciso não pensar somente em si, mas sim ter espaço para o outro mesmo quando não tinha mais forças...

Tudo o que tinha havia sido dado. E quem sofria por não ter o que beber, agora desfrutava de um imenso mar...




"Eu sabia que você viria..."


O mundo espera a manifestação dos filhos de Deus...

9 comentários:

  1. "eu não tenho criatividade pra escrever conto de ficção."

    i'm sorry, can you repeat, I couldn't hear you.

    ;-)

    não só sabe, como sabe BEM.

    ré, boy!

    poderoso!

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  2. ah, pra constar: cada metáfora hein, mister escritor?

    fiquei boquiaberto!

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  3. É mais ou menos minha experiência do Acamp's escrita de uma forma diferente...

    =)

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  4. Nós temos q ir!

    muuuuuito show o texto... escreve mtu bem!

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  5. Seu texto é incrivelmente fascinante... concordo com Thiago, você sabe muito bem escrever.
    Sinceridade e metáforas, combinação perfeita!

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  6. Temos que continuar, sempre.
    é preciso ir.

    Opa Guilherme, muito bom.
    Mesmo.

    Abraço.

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  7. E grande amigo veihhh

    Verdadeiramente, mesmo antes de ler seus comentarios, lendo seu texto, passou diante mim suas batalhas no acamp's e que bom que vc naun desistiu.

    Valeu gui

    Shalom

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  8. É quase impossível encontrar um ermo neste mundo, porém porque não encontrar um dentro de nós? Deixo em aberto.

    Parabéns pelo blog.Vida longa ao mesmo.
    Fica o convite para a sua visita em minha página.

    Abraço.

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